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SOW Bahia – A Palavra em Movimento

Foto: Alexandre Saraiva

Elegi como tema dessa primeira coluna uma característica sempre notada: o sotaque. Sim, o acento que até em Libras, Língua Brasileira de Sinais, aponta de onde você vem. A comunicação raiz, a linguagem que instintivamente usamos para rezar e brigar.

Mais que som, o sotaque da Bahia carrega histórias, afetos e um olhar único sobre a vida… e é isso que o torna inesquecível.

Outro dia, parada no semáforo, ouvi um motorista dizer para alguém do banco ao lado: “Ma, rapaz, esse trânsito tá barril “. Sorri sozinha. Não era só a frase engraçada, era o ritmo com que ele falou, o balançar da cabeça e o levantar da sobrancelha. Aquela cadência preciosa e certeira, que entrega humor sem precisar explicar a piada. Era Bahia em estado puro. Ali, percebi de novo: o sotaque não é só som, é gesto, é tempo, é presença.

Sou soteropaulistana há 20 anos e sei que todo baiano carrega na voz um mapa. O sotaque é bússola, cartão de visita e, muitas vezes, escudo. É ele que, antes mesmo de qualquer currículo, conta um pedaço da nossa história. Sim, me incluo nesse “nossa” por ser filha de baiana e já levar o sotaque na voz e no coração. Tem a pausa que não é demora, mas convite para escutar. Tem o “amigo, o brother, nobre e mestre” que não é exagero, é reconhecimento. E tem aquela melodia de fundo, como se cada frase estivesse ensaiando um verso de samba-reggae ou do samba duro do recôncavo.

A comunicação não é somente sobre o que se diz, é como se diz. E o “como” vem carregado de afeto e resistência. Afeto, porque o sotaque aproxima, cria intimidade. Resistência, porque, em um mundo que tenta padronizar vozes e narrativas, manter a autenticidade, a própria forma de falar é insistir na própria identidade.

No cenário global, onde vozes se cruzam em diferentes idiomas e sotaques, o baiano se destaca não só pelo som, mas pelo olhar que acompanha a fala. Quem é daqui sabe: a gente fala com o corpo inteiro. Com os gestos, as mãos na cintura, o balanço do ombro e da cabeça, os lábios em bico pra mostrar algo sem falar e com o riso que abre caminho antes da palavra chegar. É um jeito de comunicar que não se encaixa em roteiro, mas que encanta plateias. Um jeito que apesar de afetuoso pode ser direto e assertivo como o caçador de uma flecha só.

Levar esse sotaque para o mundo é também levar um jeito de ver a vida. É dizer, em cada entonação, que não abrimos mão da nossa raiz, mas também sabemos dialogar com qualquer lugar. É provar que a força da palavra com sotaque está em unir quem somos ao que queremos dizer e deixar a mensagem viajar com a música da nossa voz.
Porque, no fim, a comunicação mais poderosa não é a que imita, é a que marca. E o nosso sotaque, ah… esse fica na memória como um refrão impossível de esquecer.

Categories: Colunistas
Silvana Oliveira: Jornalista, estrategista de comunicação, presença e fundadora da SOW.
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