A saúde da mulher negra no Brasil é atravessada por marcas históricas profundas. Por séculos, racismo e desigualdade social estruturaram um cenário em que o cuidado foi negligenciado ou mal interpretado. Ainda hoje, dados alarmantes mostram que mulheres negras enfrentam maiores dificuldades no acesso a serviços de qualidade, têm índices mais altos de morbimortalidade e estão mais expostas a violências institucionais. Falar sobre saúde da mulher negra, portanto, não é apenas discutir políticas de prevenção ou tratamentos, mas abordar justiça social, equidade e o direito de viver com dignidade.
O racismo estrutural e institucional ainda se manifesta de forma dolorosa no cotidiano. Pesquisas mostram que mulheres negras são menos ouvidas durante consultas, têm menor acesso a anestesia, recebem menos encaminhamentos para exames e, muitas vezes, encontram barreiras físicas e simbólicas para acessar serviços básicos.
Essas adversidades não são fruto do acaso. Elas refletem desigualdades socioeconômicas, barreiras geográficas, precariedade de serviços em áreas periféricas e uma longa história de exclusão da população negra das políticas públicas. Além disso, doenças como hipertensão, diabetes tipo 2, anemia falciforme e tuberculose apresentam maior incidência entre mulheres negras, o que demanda um olhar atento e políticas específicas de prevenção e acompanhamento.
Entretanto, essa realidade não se resume a desafios. Existe também uma potência transformadora crescente, impulsionada por redes de apoio, movimentos comunitários e a valorização de saberes ancestrais. Coletivos de mulheres negras têm se organizado para promover saúde integral, unindo informação, autocuidado e resgate cultural. Práticas como fitoterapia, alimentação baseada em referências tradicionais, rodas de conversa e apoio mútuo têm fortalecido não apenas a saúde física, mas também a autoestima e a saúde mental.
Nesse contexto, o autocuidado surge não como um luxo ou um modismo, mas como um ato político. Para muitas mulheres negras, cuidar de si é também um gesto de resistência, uma forma de preservar a vida e romper com a lógica de desgaste e invisibilidade imposta historicamente. O autocuidado envolve não apenas ir a consultas e realizar exames preventivos, mas também buscar espaços de descanso, lazer, espiritualidade e conexão com a própria história. É compreender que o corpo e a mente precisam ser nutridos, protegidos e respeitados.
Superar as barreiras no acesso à saúde exige múltiplas estratégias. É urgente fortalecer a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, vigente desde 2009, mas ainda pouco efetivada. Também é fundamental capacitar profissionais de saúde para reconhecer e combater o racismo institucional, garantindo que o atendimento seja humanizado e livre de vieses. O uso de tecnologias, como telemedicina e aplicativos de acompanhamento, pode ampliar o acesso a consultas e orientações, especialmente em regiões de difícil deslocamento.
Por outro lado, a informação é um recurso poderoso. Programas de educação em saúde que dialoguem diretamente com mulheres negras, respeitando suas referências culturais e realidades locais, são essenciais para aumentar o conhecimento sobre prevenção, autocuidado e direitos. Quanto mais informadas e conectadas estiverem, mais capazes serão de reivindicar e exercer seu direito à saúde plena.
O futuro da saúde da mulher negra no Brasil depende da união de esforços: políticas públicas consistentes, atendimento sem preconceitos, valorização de saberes tradicionais e fortalecimento do autocuidado como prática cotidiana. É preciso que sociedade, profissionais e gestores compreendam que cuidar da saúde dessas mulheres é cuidar da saúde de todo o país.
Cuidar de si é, para a mulher negra, um ato de amor e sobrevivência. É olhar para si com a consciência de que a própria existência é valiosa e merece ser preservada. Entre desafios históricos e potências ancestrais, a jornada pela saúde da mulher negra é também um caminho de libertação. Porque resistir também é cuidar, e viver com plenitude é um direito inegociável.