Ir para o conteúdo Pular para a barra lateral Pular para o rodapé

SOW Bahia – A Palavra em Movimento

Como o jeito baiano de comunicar conquista, resiste e cria pontes com o mundo

Elegi como tema dessa primeira coluna uma característica sempre notada: o sotaque. Sim, o acento que até em Libras, Língua Brasileira de Sinais, aponta de onde você vem. A comunicação raiz, a linguagem que instintivamente usamos para rezar e brigar.

Mais que som, o sotaque da Bahia carrega histórias, afetos e um olhar único sobre a vida… e é isso que o torna inesquecível.

Outro dia, parada no semáforo, ouvi um motorista dizer para alguém do banco ao lado: “Ma, rapaz, esse trânsito tá barril “. Sorri sozinha. Não era só a frase engraçada, era o ritmo com que ele falou, o balançar da cabeça e o levantar da sobrancelha. Aquela cadência preciosa e certeira, que entrega humor sem precisar explicar a piada. Era Bahia em estado puro. Ali, percebi de novo: o sotaque não é só som, é gesto, é tempo, é presença.

Sou soteropaulistana há 20 anos e sei que todo baiano carrega na voz um mapa. O sotaque é bússola, cartão de visita e, muitas vezes, escudo. É ele que, antes mesmo de qualquer currículo, conta um pedaço da nossa história. Sim, me incluo nesse “nossa” por ser filha de baiana e já levar o sotaque na voz e no coração. Tem a pausa que não é demora, mas convite para escutar. Tem o “amigo, o brother, nobre e mestre” que não é exagero, é reconhecimento. E tem aquela melodia de fundo, como se cada frase estivesse ensaiando um verso de samba-reggae ou do samba duro do recôncavo.

A comunicação não é somente sobre o que se diz, é como se diz. E o “como” vem carregado de afeto e resistência. Afeto, porque o sotaque aproxima, cria intimidade. Resistência, porque, em um mundo que tenta padronizar vozes e narrativas, manter a autenticidade, a própria forma de falar é insistir na própria identidade.

No cenário global, onde vozes se cruzam em diferentes idiomas e sotaques, o baiano se destaca não só pelo som, mas pelo olhar que acompanha a fala. Quem é daqui sabe: a gente fala com o corpo inteiro. Com os gestos, as mãos na cintura, o balanço do ombro e da cabeça, os lábios em bico pra mostrar algo sem falar e com o riso que abre caminho antes da palavra chegar. É um jeito de comunicar que não se encaixa em roteiro, mas que encanta plateias. Um jeito que apesar de afetuoso pode ser direto e assertivo como o caçador de uma flecha só.

Levar esse sotaque para o mundo é também levar um jeito de ver a vida. É dizer, em cada entonação, que não abrimos mão da nossa raiz, mas também sabemos dialogar com qualquer lugar. É provar que a força da palavra com sotaque está em unir quem somos ao que queremos dizer e deixar a mensagem viajar com a música da nossa voz.
Porque, no fim, a comunicação mais poderosa não é a que imita, é a que marca. E o nosso sotaque, ah… esse fica na memória como um refrão impossível de esquecer.

Deixe um comentário

Sign Up to Our Newsletter

Be the first to know the latest updates

Ir para o conteúdo